A Estrada e O Motorista


Foto: jarbasrocha.com.br

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Pai, até pouco tempo atrás eu mesma dirigia o carro da minha vida e achava que o caminho estava ótimo porque nada da mau acontecia. Não havia pedras, nem buracos na estrada, mas em compensação, a estrada era sempre em linha reta, e a paisagem era sem cor. Essa estrada era sem graça, até que um dia eu ouvi um servo teu me gritando do acostamento, dizendo que o Senhor queria dirigir para mim e me levar para um lugar bonito, cheio de novidades.

Levei o que aquele cara falou a sério. Comecei a te procurar pelos caminhos para te dar uma carona, porque queria essa vida colorida. Queria ganhar tantas coisas que eu sempre tive vontade de ter... O Senhor conhece meu coração, sabe que coisas são essas. Deixei o Senhor entrar no meu carro, e contigo ali do meu lado, comecei a te pedir, pedir, pedir... Nem lembro se em algum desses momentos eu te agradeci por alguma coisa. Acho que eu simplesmente dizia: “Deus, muito obrigada por tudo... Mas agora quero te pedir...”

De repente, de tanto te pedir, o Senhor deixou eu dirigir até os lugares onde ia encontrar aquelas coisas. Comprei tudo e enfiei aquelas tralhas no porta-malas. Também conheci algumas pessoas que queria muito conhecer, entre elas, a Ilusão. Deixei a Ilusão sentar no banco onde o Senhor estava. O Senhor então teve que ficar sentado nos bancos de trás do carro. A Ilusão era simpática, mas às vezes ela era estranha. Falava uma coisa com ela, e ela me deixava no vácuo.

Depois de conseguir o que queria, não quis mais te ouvir. O Senhor estava ali atrás, me dando uma série de recomendações, mas achava que era balela. Mas, mesmo depois de conseguir o que queria de Ti, com todas aquelas coisas no porta-malas do carro, senti um vazio enorme no meu coração. Um desespero inexplicável, uma sensação de que a qualquer momento eu ia bater, mas não me atentei aos avisos do teu Espírito que em mim já habitava, apesar do estado deplorável em que meu coração se encontrava.

De repente, cadê todas aquelas coisas? Cadê todas aquelas pessoas? Cadê todas aquelas palavras que me disseram? Eu gostava de ouvi-las, mas porque não me dizem mais? Sumiram?
Vi que o porta-malas estava aberto, e as coisas cairam todas na estrada. A ilusão me pediu para que eu parasse o carro porque queria descer. Pedi para que não fosse embora, mas foi. Fiquei perdida, decepcionada, frustrada com as expectativas que eu mesma criei e que acabaram de descer por água abaixo...

Então, parei o carro porque a gasolina havia acabado. Virei para trás, onde o Senhor estava sentado, porque me enganaram, e o Senhor permitiu. Porque me prometeram um mundo que parecia muito bonito, os levei comigo em meu carro, mas tudo o que recebi foi indiferença, e o Senhor viu tudo. Briguei muito com o Senhor, soquei meu volante até minha mão doer, de tanta raiva. “Se o Senhor sabia, por que não impediu? Por que o Senhor não interviu...?”

Fiquei com o carro parado na estrada. A solidão vinha passando e me pediu para entrar nesse meio tempo. Não sei por quantos dias, mas a solidão me fez companhia durante esse tempo lá na estrada. Durante os dias, não queria saber de papo com o Senhor, e à noite, só queria te lembrar da “sacanagem” que o Senhor fez. Até que um dia o Senhor me lembrou de um livro que estava no porta-luvas. Peguei o tal livro e resolvi abri-lo, mas nem sabia como é que eu ia começar a ler porque ele é muito grande, e tem livros menores dentro, daí não sabia onde abrir primeiro.

De repente abri e li o seguinte: "Confia no SENHOR de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas."
Depois daquilo eu comecei a chorar. Chorar de tanta tristeza porque a muito tempo o Senhor queria me dizer aquilo. Pedi desculpas ao Senhor, e o Senhor com aquela voz mansa dizia: “Tudo bem filha, já passou! Eu to aqui...” Mas eu estava muito triste porque confiei no meu coração corrupto e não quis te ouvir. Então comecei a lutar, mas minha alma não me ajudava. Meus pensamentos surgiam diante dos meus olhos para me punir, as coisas que fiz reacordavam para me bater. Tentei esquecer, pensar em outra coisa, mas não conseguia pela minha própria força de vontade. Então, te pedi ajuda, e o Senhor disse: “Confia ao SENHOR as tuas obras, e teus pensamentos serão estabelecidos.”

Entendi seu conselho. A solidão virou para mim e disse: “Bom, agora tenho que ir, boa viagem!” Olhei pro medidor e o tanque estava cheio novamente, “misteriosamente”. Só que eu estava cansada. Tirei a mão esquerda do volante, e a direita do câmbio. Troquei de cadeira com o Senhor. O Senhor sentou na cadeira do motorista e começou a dirigir no meu lugar.

Teve uns dias que agarrei o volante, porque o Senhor começou a me levar pra um lugar cabuloso. O Senhor me levou para o vale das coisas que mais me davam medo e vergonha. Mas o Senhor me relembrou aquelas coisas que me disse naquela noite de choro, então soltei o volante das suas mãos e te deixei dirigir. Senti um medo absurdo, mas o Senhor estava ali do meu lado quando passávamos por tempestades e lugares escuros.

Nesse meio tempo, o Senhor me contou um segredo. O Senhor me disse que seu apelido era “amor”, e que foi por isso que Jesus havia morrido na cruz a um tempo atrás. Enquanto o Senhor dirigia, a brisa batia no meu rosto, e o Senhor dizia: “os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos.”

Depois de um tempo, alguém pediu carona. O Senhor parou. A Paz e a Paciência entraram dentro do carro. No início tivemos algumas divergências, mas agora nós três já estamos familiarizadas. Depois entrou a alegria. Depois que ela entrou o carro ficou pequeno para nós cinco! Eu não parava de rir com ela! Sempre que passávamos em cima de um buraco, ou o pneu estourava, ela ainda achava um motivo para fazer piada. Ela é ótima!

Tempos depois o Senhor achou que precisávamos de um carro maior. Então adquirimos um novo carro. Continuamos a dirigir. A Paz, a Paciência e a Alegria ainda estavam no carro, até que entrou o Domínio Próprio. Ele às vezes é muito chato! Quando eu queria parar para tomar um sorvete, ele falava: “não, precisamos continuar dirigindo”, e o Senhor concordava. Pensei: “Poxa, essa cara é um estraga prazeres...” Mas se não fosse ele, não teríamos ido tão longe em tão pouco tempo.

Hoje ainda estamos na estrada, eu, o Senhor, e esses nossos amigos. Às vezes a estrada é difícil, mas com eles no carro, e o Senhor na direção, podemos ir muito mais longe. Fiquei sabendo que a Fidelidade está na próxima parada. Vamos então acelerar, para encontrá-la. Teve uns dias em que alguns bandidos e ladrões nos encontraram, querendo invadir nosso carro, mas sei que com o Senhor estou segura e posso confiar. Continue dirigindo Pai, mesmo que a 40km/h. Continue dirigindo, mesmo que o pneu fique careca...

Continue dirigindo.

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